Inteligência Epistêmica

Inteligência Epistêmica
Convivendo na MATRIX...

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Priscilianismo (vídeo: El Camino de Santiago)

Prisciliano de Ávila, nascido Gallaecia, circa 340 – Treveris, atual Trier em 385 foi um bispo herege hispânico da cidade de Ávila (ou em latim: Abila), fundador do priscilianismo. Foi, junto a outros companheiros, o primeiro herege justiçado pela Igreja Católica através de uma instituição civil.

Prisciliano ensinou que os nomes dos Patriarcas correspondem às partes da alma, e de jeito paralelo, os signos do Zodíaco correspondem-se com partes do corpo. Cita de Orósio, na sua Communitorium de errore Priscillianistarum et Origenistarum.

Acredita-se que nasceu na Hispânia ocidental, provavelmente na província romana da Gallaecia, no contorno de uma família senatorial. Por volta de 370 viaja a Burdigala (Bordéus) para se formar com o retórico Delphidius. Nos arredores desta cidade funda uma comunidade de tendência rigorista junto ao seu mentor e a mulher deste, Eucrócia. É reconhecida uma relação com a filha de ambos, Prócula, embora São Jerônimo faz menção a uma mulher chamada Gala como seu casal oficial. Seu principal adversário, Itácio de Ossonoba (atual Faro), atribui seus conhecimentos de astronomia e magia a um tal Marco de Memphis, porém este nome parece remitir a um mago alexandrino do século I citado por Santo Ireneu no seu Adversus haereses. Por volta de 379, durante o consulado de Ausônio e de Olybrio, volta ao Noroeste peninsular e começa seu período predicante. As suas idéias obtiveram grande sucesso, em especial entre as mulheres e as classes populares, pela sua recusa à união da Igreja com o Estado imperial e à corrupção e enriquecimento das hierarquias. Frente da rápida extensão dos seus ensinos, Higínio de Córdova, o sucessor de Ósio de Córdoba, envia uma carta informando da situação ao bispo da sede metropolitana de Emerita Augusta (capital da Dioecesis Hispaniarum), Hidácio.

Estes dois bispos, junto a Itácio de Ossonoba, convocam o Concílio de Caesaraugusta (atual Saragoça) em 380 (outras fontes situam-no uns anos antes, em 378), com o fim de condenar as idéias priscilianistas. A este sínodo acudiram dois bispos aquitanos e dez hispânicos, o que parece indicar uma forte e rápida expansão do movimento ascético iniciado por Prisciliano, mas a ausência dos dois principais bispos acusados de priscilianistas, Instáncio e Salviano, evita a condenação em firme. As atas dizem que o bispo de Astorga, Simpósio (pai de Dictinio, quem anos depois ocupará essa sede) abandonou o Concílio o segundo dia. Este prelado ocupará anos depois um lugar relevante entre os discípulos do herege galaico. O bispo Valério, anfitrião do sínodo, recolhe as recomendações de Dámaso, bispo de Roma, de evitar a condenação in absentia. Pouco depois esses dois bispos (Instáncio e Salviano) elevarão Prisciliano à sede vacante de Abula (Ávila). Numa tentativa de acercar posturas, Instáncio e Salviano viajam a Emerita Augusta (Mérida) para se entrevistar com Hidácio, mas vêem-se obrigados a fugir de uma turba de exaltados arengada pelo bispo metropolitano. Houve então um nutrido cruzamento de acusações epistolares entre priscilianistas e ortodoxos. É preciso levar em conta que a extensão dos ensinos de Prisciliano ocorre em todos os estratos sociais, incluindo muitas famílias influentes de quase todas as províncias hispânicas. Finalmente, uma carta enviada por Hidácio a Ambrósio, bispo de Mediolanum (Milão), onde se encontra a corte imperial, convence este para obter um rescrito do imperador Graciano excomungando e banimento das suas sedes a Prisciliano e seus seguidores.

Corre o ano de 382 e Prisciliano decide viajar a Roma para se defender, mas o bispo de Roma, Dámaso (em plena pugna por obter a primacia da sede romana e convertir-se, assim, no primeiro Papa "oficial"), bem como de família oriunda de Hispânia, recusa recebê-los por não se considerar competente para anular um rescrito do imperador. Finalmente viajam a Milão, e aproveitam a ausência de Graciano para convencer seu magister officiorum de que anule o anterior decreto imperial. Assim regressa para a Hispânia, reafirmando a situação do seu grupo e conseguindo, de passagem, que Itácio seja acusado de perturbador da Igreja. O procônsul Volvéncio ordena a detenção do bispo antipriscilianista e este vê-se obrigado a fugir para Civitas Treverorum (Tréveris), sob o amparo do bispo Britto.

Em 383 o também hispânico Magnus Maximus, governador da Britannia, cruza para a Gália no comando de 130 mil soldados fazendo fugir a Graciano, a quem finalmente assassina numa emboscada nas florestas de Lugdunum (Lyon). As suas legiões nomeiam-no novo imperator de Ocidente, mas esta nomeação não é vista com bons olhos por Teodósio, imperador dos territórios Orientais. Esta situação delicada faz buscar apoios na Igreja Católica, à sua vez precisada de amparo institucional para se enfrentar aos numerosos movimentos dissidentes que a assediam (arianos, rigoristas, ebionitas, patripassianos, novacianos, nicolaítas, ofitas, maniqueus, homuncionitas, catáfrigos, borboritas, ou os próprios priscilianistas).

Nesse matrimônio de conveniência enquadra-se o desenvolvimento posterior dos acontecimentos: a Igreja oficial enfrenta-se com um movimento popular muito estendido por toda a península Ibérica e boa parte das Gálias, e Máximo deseja oferecer uma mão tendida em forma de condenação oficial ao priscilianismo. Porém, a aplicação de uma sentença por heresia implica a confiscação por parte do Estado de todos os templos da seita, o que não interessa à hierarquia eclesiástica nem serve aos interesses do imperador. Assim é concebido um processo judiciário ad hoc que visa condenar os bispos hispânicos por maleficium (bruxaria). Esta sentença, mais favorável às arcas do novo imperador, inclui o confisco de todas as propriedades pessoais dos acusados, os quais pertenciam a pudentes famílias hispânicas, sem afetar o patrimônio eclesiástico. É convocado, então, um novo concílio em Bordéus ao qual decidem acudir Prisciliano e vários dos seus seguidores, e no qual a heresia priscilianista é condenada de novo, mas somente obtém de fato a deposição de Instáncio da sua sede. Durante a celebração deste conclave uma multidão alheada lapida Urbica, uma discípula de Prisciliano. Este abandona o conclave e dirige-se a Norte, a Tréveris, na Germânia Superior, onde Máximo estabeleceu sua corte, para convencer o imperador de que tercie em favor do seu grupo, sem saber que ali Itácio de Ossonoba já teceu a rede que acabará com a sua vida.

Em 385 Prisciliano chega a Tréveris, onde é acusado, através de Evódio, prefeito do imperador, da prática de rituais mágicos que incluem danças noturnas, o uso de ervas abortivas e a prática da astrologia cabalística. Após obter mediante tortura uma confissão do mesmo Prisciliano, estabelecendo assim os precedentes da Inquisição (antecessora da atual Congregação para a Doutrina da Fé), é decapitado junto aos seus seguidores Felicíssimo, Armênio, Eucrócia (a viúva de Delphidius), Latroniano, Aurélio e Asarino. Todos eles se tornam os primeiros hereges justiçados pela Igreja Católica através de uma instituição civil (secular).

Algumas obras de Prisciliano foram consideradas ortodoxas e não foram queimadas. Como exemplo, ele dividiu as epístolas paulinas (incluindo a Epístola aos Hebreus) numa série de textos sobre seus pontos teológicos e escreveu uma introdução para cada um. Estes cânones sobreviveram numa forma editada por Peregrinus. Eles contêm um forte apelo a uma vida pessoal de ascetismo e pureza, incluindo o celibato e a abstinência de carne e de vinho, reafirma os dons carismáticos de todos os crentes e obriga ao estudo das escrituras. Prisciliano também atribuiu considerável peso nos livros apócrifos, não como sendo inspirados, mas como úteis para distinguir a verdade do erro. Há muito se acreditava que todas as obras de Prisciliano tinham perecido até, em 1885, Georg Schepss descobrir na Baviera, na Biblioteca da Universidade de Würzburg um manuscrito no qual encontra onze tratados. O Diretor da biblioteca, Doellinger, sugere a autoria de Prisciliano, que finalmente confirma, e os tratados publicam-se em 1889. Os títulos desses onze tratados são: Liber Apollogeticus, de caráter doutrinal e no qual defende sua ortodoxia; Liber ad Damasum, escrito ao bispo de Roma, Dámaso, e similar ao anterior; Liber de fide et Apocryphis , no qual defende a leitura de textos apócrifos; Tratatus Paschae; Tratatus Genesis; Tratatus Exodi; Tratatus primi Psalmi; Tratatus tertii Psalmi; Tratatus ad populum I (incompleto) e II e Benedictio super fidelis. Também se revela que é Prisciliano, e não Jerónimo, como se acreditava, o autor dos Canones in Pauli apostoli epistolas, presentes em muitas bíblias européias. Os seus tratados e cânones publicaram-se na Espanha em 1975. Já em 1882, Marcelino Menéndez Pelayo publicara alguns de eles na História dos heterodoxos espanhóis.
De acordo com a introdução de Raymond Brown na sua "Epístola de João", a origem da Comma Johanneum, uma breve interpolação na Primeira Epístola de João conhecida desde o século IV dC parece ter sido a obra em latim Liber Apologeticus de Prisciliano
.

Nenhum comentário: